OS
ÍNDIOS DO MÉDIO TIETÊ
Como
já foi dito no primeiro capítulo, o povo paulista
antigo nasceu do cruzamento de duas raças: do europeu vindo
da península ibérica com indígenas do tronco
tupi. Desse cruzamento, portanto, surgiram os mamelucos (caboclos),
que, conforme nos conta Sergio Buarque de Hollanda (1), eram a maioria
da população paulista nos tempos coloniais:
“0
que se verificou particularmente em São Paulo, terra em que
os bastardos, como então se chamavam, compuseram por largo
tempo o grosso das classes populares”.
A
infIuência indígena foi tão grande que o tupi
chegou a ser a língua falada pelas elites e pelo povo de
São Paulo e da Amazônia. Para se ter uma idéia,
Domingos Jorge Velho, o conquistador dos Palmares, após longa
convivência com o gentio, desaprendeu a língua portuguesa,
apenas conseguindo expressar-se em "nheengatu" (tupi moderno).
O português foi adotado como língua única só
a partir de 1750, depois das medidas tomadas pelo marquês
de Pombal.
Já
os índios que moraram nas barrancas do Tietê, ali estiveram
antes desta região ser povoada pelo homem branco; não
exerceram, portanto nenhuma influência cultural nos moradores
do médio Tietê,
(1)
- Sergio Buarque de Hollanda, Índios Mameluco na Expansão
Paulista, Artigo publicado em "Anais do Museu Paulista",
Tomo XIII, 1949, Imprensa Oficial do Estado; São Paulo, Página
279.
Mesmo assim, não custa mencionar suas peripécias.
As duas tribos que aldearam por último nesta região
foram caiapós e xavantes. Embora tenham aqui residido em
épocas diferentes pertenciam ambas ao tronco Macro-Jê
de família Jê e língua Caingangue.
Os
caiapós, cuja arma predileta era um curto porrete (bilro),
de quatro ou cinco palmos de comprimento, de cabeço bem feito,
que manejavam com grande destreza, também eram chamados de
bilreiros. Afonso d'Escragnolle Taunay já os localiza, antes
de 1750, nas margens do médio Tietê, região
onde Mineiros do Tietê se situa:
"Curioso
documento da Biblioteca Municipal, datando do século XVIII,
na primeira metade, e que tivemos ensejo de publicar no tomo I dos
Anais do Museu Paulista, a conselho de Capistrano, afirma que os
bilreiros ou caiapós, índios do médio Tietê,
chegaram a invadir Jundiaí, a cuja matriz pôs a tocar
o sino."
Quanto
aos xavantes, eles foram certamente os índios que habitaram
por último a região do médio Tietê. Em
1822, um ataque desses índios a uma fazenda de Araraquara,
custou à vida de dois irmãos, conforme está
registrado no livro de óbitos da Igreja da Freguesia de Araraquara:
“...
aos vinte e quatro de julho de 1822, sem sacramentos, mortos a flechadas
pelo gentio xavante, repentinamente e sem sacramentos, faleceram
Adriano, de idade vinte anos, e Generoso, de idade dezoito anos,
filhos de Salvador Pais."
O
Capitão das Ordenanças de Araraquara, Manuel José
do Amara!, enviou carta ao Governo pedindo providências contra
os xavantes, mas nada foi feito a respeito. Em 1825 um francês
radicado no Brasil, Hércules Florence (3), desceu o Tietê
e depois relatou o seguinte sobre a corredeira de Potunduva, por
ele descrita como cachoeira:
"A cachoeira de Uputunduva é visitada pelos índios
desta região, porque o rio dá vau." E acrescentava:
"Segundo contam nossos camaradas, esses índios, chamados
Xavantes. São inimigos de toda a gente cristã."
Em 1828 os xavantes novamente se aproximaram de Araraquara. Temendo
um novo ataque, o cidadão Manuel Joaquim Pinto de Arruda
enviou uma carta, em 6 de outubro daquele mesmo ano, ao Presidente
da Província (4). Informando que o aldeamento dos xavantes
se localizava na margem esquerda do Tietê e pedindo autorização
para expulsá-los:
"Esta
freguesia para a parte do poente confina com um grande sertão
até as margens do Tietê, e deste até Guarapuava
é unicamente povoado de nações gentílicas,
uma das quais denominadas Xavantes tem alojamento nas margens do
Tietê, da parte além, na fronteira desta freguesia,
e quase todos os anos passam-se para este lado e no ano de 1822
mataram dois homens deste distrito, e porque agora se acham muito
vizinhos a esta freguesia, em distância de oito léguas,
o povo deste lado me requerendo.
(2)
- Afonso d'Escragnolle Taunay. “História Geral das
Bandeiras Paulista”.. ' Tipografia Ideal São Paulo.
1924
(3)
. Hércules Florence “de Porto Feliz a Cuiabá”
Separata do Tomo XVII da Ver. Do museu Paulista. São Paulo.
1929.
(4)
Arquivo do Estado São Paulo Caixa 37 pasta 6
Os
expulsa a força de armas este o motivo de rogar a V. Excia.
determinações para isto". O Governo, evidentemente,
não poderia expedir ordens para que os xavantes fossem caçados
a poder de armas pelos civis; e como o novo ataque não aconteceu
nada foi feito. Mas no ano seguinte, à mesma evoca, os Úldios
se aproximaram de Rio Claro, obrigando o Governo a enviar um destacamento
para defender os fazendeiros de um possível ataque dos "Índios
bárbaros", conforme informações de Pedro
Gagini (5). Em 10 de outubro de 1829 o Império mandaria "repartir
datas de terrenos nos Campos de Rio Claro às praças
do destacamento que ali ia estacionar", pois os soldados ganhavam
pouco e assim talvez aumentassem os seus vencimentos, ao se tornarem
"igualmente agricultores e criadores". Rio Claro fica
relativamente próximo do médio Tietê e, portanto,
se achava ao alcance dos andejos xavantes.
Uma
prova material da presença de Índios no médio
Tietê são as pontas de flechas feitas de pedra, achadas
por um sitiante ribeirinho na margem direita desse rio, e atualmente
expostas no Museu Municipal de Jaú. Mas como o vale do Tietê
certamente serviu de morada a outras tribos, em épocas ainda
mais remotas, é praticamente impossível descobrirmos
a que Trunco ou Família indígena pertenceram essas
peças.
OURO
E QUILOMBOS NA PEDRA BRANCA
A
Pedra Branca, localizada em terras mineirenses, na serra de Morro
Alto, próxima da divisa com Dois Córregos, se chamava
antigamente morro de Araraquara. Era um dos "morros" ou
"serros" pertencentes a serra de Araraquara - denominação
que se dava a todas as formações serranas que iam
desde o médio Tietê até o rio Mogi-Guaçu.
Essas serras estavam no sertão ou "campos de Araraquara",
um sertão de fronteiras imprecisas cujos limites ao norte,
geralmente aceitos, seriam Goiás e Cuiabá. A própria
cidade de Araraquara tirou seu nome desse sertão.
Mas
devido à intensa navegação no rio Tietê
o nome "morros de Araraquara" era usado com mais freqüência
para citar as elevações localizadas em nossa região,
espalhadas em terras de Dois Córregos e Mineiros do Tietê,
enquanto os montes da serra de Botucatu eram o Araraquara-Mirim
e o Araraquara Guaçu.
O
brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, por
exemplo, quando realizou uma viagem de São Paulo ao presídio
de Iguatemi (divisa do Paraguai), partiu com seu
(5)
Pedro Gagini "Fragmentos da História da Polícia
de São Paulo. Gráfica Brusco & Cia. São
Paulo. 1966. Página 34
pessoal
em dez canoas e em certo trecho do diário da viagem, depois
de passar pela foz do Piracicaba, escreveu que se dirigia para o
noroeste, "rumo aos serros de Araraquara”. A monção
chefiada por Bento Cardoso de Siqueira também menciona os
morros de Araraquara. Em 19 de abril de 1769, com 654 pessoas, essa
expedição, que trazia como escriba o sargento-mor
Theotônio José Juzarte (6), aportou duas léguas
abaixo de onde o rio Piracicaba deságua no rio Tietê,
na margem esquerda desse último rio (cerca de doze quilômetros
abaixo da foz do Piracicaba, portanto; mais ou menos defronte à
barra do ribeirão do Turvo) e fez o seguinte registro no
diário:
“...
embicamos no barranco do rio, botou-se o mato abaixo para fazer
pouso para de noite, e vindo em distância de duas léguas
abaixo da barra do Piracicaba se avista pelos costais todo o morro
de Araraquara, cujos pontais em distância grande vêm
afastar no Tietê pelos quais se passa, e tudo se avista em
distância de oito léguas para a parte direita...”.
Como
os morros de Araraquara, em nossa região, tinham fama de
serem auríferos (de igual fama gozavam o Araraquara-Guaçu
e o Araraquara-Mirim, na margem esquerda do Tietê, pertencentes
à atual serra de Botucatu), o Governo ficou preocupado com
as notícias que falavam sobre a existência de dois
quilombos estabelecidos nesta região, nos "morros de
Araraquara", formados por negros fugidos das minas e que estavam
extraindo o ouro, possivelmente da Pedra Branca, a elevação
mais importante dentre todas, devido à sua altura e imponência.
O historiador F. Nardy Filho (7) escreveu o seguinte sobre o assunto:
"Grande
número de negros, fugidos das minas, formaram dois grandes
quilombos à margem do rio Tietê, no caminho de Cuiabá.
Atrevidos e valentes, não se intimidavam em atacar e saquear
as pequenas expedições que seguiam para as minas,
mesmo como, às vezes, deixavam os seus quilombos e vinham
assaltar as lavouras que iam se erguendo à margem desse rio..."
Para
combater os quilombos, o Governo autorizou a formação
de uma pequena bandeira, chefiada pelo bandeirante André
Dias de Almeida, natural de Porto Feliz, sem remuneração
nenhuma, com a condição de apenas dar como prêmio
aos bandeirantes os escravos que eles capturassem.
André
Dias de Almeida era sertanista experiente; servira durante 5 anos
como capitão no presídio de Iguatemi, em Mato Grosso,
de onde se desligara em 1772, além de ter participado de
outras bandeiras. Antes de sua partida, André Dias de Almeida
enviou uma carta ao padre Gaspar de Freitas Trancozo, em 10 de outubro
de 1778, confirmando a empreitada: "com setenta homens vou
combater dois quilombos", disse. Encontrados os dois arraiais,
os bandeirantes venceram a batalha, ateando fogo nas habitações.
Um quilombo tinha 64 cabanas e o outro 25.
(6)
- Theotônio José Juzarte. "Diário da navegação
do rio Tietê rio Grande, Paraná e rio Gatemy".
Artigo publ. em “Documentos Interessantes, publicação
do Dep. do Arquivo do Est de S. Paulo”. Vol. 19.
(7)
-F. Nardy Pilho. “A Cidade de Itu’”. Escolas Profissionais
Salecianas São Paulo. 1928.
Terminaram aprisionados dos e vendidos 57 negros, sendo o produto
dessa venda repartido entre os combatentes.
E é o mesmo F. Nardy Filho que descreve o resultado da investida
dos bandeirantes:
"Embora
contando com força numérica inferior ao grande número
de negros acoitados nesses dois quilombos, André Dias de
Almeida os ataca e extermina, conseguindo conduzir presos a Itu
grande número de negros; tão antigos e numerosos eram
esses quilombos que, entre os negros conduzidos presos a Itu, havia
muitos de trinta anos, ali nascidos, e pagãos, que foram
batizados em Itu."
Para
cuidar das possíveis minas de ouro dos morros de Araraquara,
o Governo nomeou Antônio Francisco da Luz como "Guarda-Mor
das terras minerais dos morros de Araraquara de Piracicaba".
Com a desistência de Antônio Francisco da Luz (nomeado
por Provisão de 19 de outubro de 1781 conforme consta no
Livro n. 21 de Sesmarias, Patentes e Provisões, folhas 117),
houve um segundo guarda-mor nomeado: João Martins Barros.
As jazidas de ouro das serras de Morro Alto e Botucatu, no entanto,
jamais foram descobertas. Não passavam de lenda. Mesmo assim,
o famoso pesquisador paulista Francisco José de Lacerda e
Almeida (8), ao descer o rio Tietê na véspera do Natal
de 1788, relatou o seguinte:
"Com
3 horas de navegação passei a cachoeirinha do Banharão
e pouco acima um poço do mesmo nome. Um quarto de légua
acima deste poço, e da parte côncova da enseada se
avista a distância de três léguas para NE uns
montes que lhes chamam de Araraquara, que pela tarde quando lhes
bate o sol representa uma grande cidade. Por estar este planeta
entre nuvens não logrei desta deliciosa perspectiva. É
tradição que nestes montes há muito ouro. Várias
pessoas têm tentado chegar a eles e o não têm
conseguido pelos muitos pantanais e obstáculos que encontram...”.
E mais adiante, volta a relatar nesse mesmo Diário: "Nestes
campos, que já se vão povoando com fazendas e gado,
há negros fugidos que extraem ouro, porque se tem achado
sinais disso: o que confirma que os montes sem dúvida têm
o mesmo metal." Ao dizer isso, Lacerda e Almeida mostrou desconhecer
o ataque bandeirante aos quilombos do médio Tietê.
Proxima
Página >>
|